Este artigo analisa os artigos 8º a 24º do Código de Ética e Disciplina da OAB, que tratam das relações entre advogado e cliente. Com base em doutrina e jurisprudência, destaca-se o papel central da confiança nesse vínculo contratual.
1. Relação Advogado-cliente
A relação advogado-cliente é regida pela confiança recíproca e pela autonomia profissional. O advogado deve esclarecer riscos e estratégias da causa, enquanto o cliente tem o dever de fornecer informações completas e verdadeiras.
A comunicação transparente fortalece a relação. Divergências devem ser resolvidas com diálogo, e, se necessário, formaliza-se o rompimento do vínculo por meio da renúncia ou substabelecimento.
Condutas antiéticas, como negligência ou aproveitamento de vulnerabilidade, ferem essa relação e demandam análise ética e disciplinar.
2. Da relação de confiança
Segundo o Código de Ética da OAB (art. 9º e seguintes), o advogado deve manter sigilo, prudência e lealdade. A confiança é reforçada pelo dever de informar, acompanhar e explicar o andamento do processo ao cliente.
O art. 10 prevê que, ao identificar abalo na confiança, o advogado deve comunicá-lo ao cliente e, se persistente, renunciar ao mandato. A comunicação deve ser clara, respeitosa e formal.
Na dissolução da relação, o advogado deve devolver documentos, prestar contas e manter sigilo profissional. A parte dos honorários já prestados é devida e não deve ser devolvida. A renúncia deve ocorrer sem menção de motivos (EAOAB, art. 5º, §3º).
A revogação do mandato também é possível a qualquer tempo pelo cliente, sem prejuízo do pagamento dos honorários convencionados. O STJ reafirmou esse entendimento no REsp 136171/PR, julgando inválida cláusula penal que impunha multa pela rescisão unilateral.
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. RESCISÃO UNILATERAL. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL. PREVISÃO CONTRATUAL DA MULTA EM CASO DE REVOGAÇÃO DO MANDATO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO POTESTATIVO DO CLIENTE, ASSIM COMO É DO ADVOGADO, DE RENUNCIAR AO MANDATO. ESTATUTO DA OAB E CÓDIGO DE ÉTICA DOS ADVOGADOS. RELAÇÃO JURÍDICA INTUITU PERSONAE, LASTREADA NA EXTREMA CONFIANÇA. QUEBRA DA FIDÚCIA. DIREITO DE REVOGAÇÃO/RENÚNCIA SEM ÔNUS PARA OS CONTRATANTES. 1. Em razão do papel fundamental do advogado, por ser indispensável à administração da Justiça, prevê o Estatuto da OAB normas deontológicas, que devem nortear o exercício do profissional, inclusive na relação advogado/cliente, remetendo a regulação para o Código de Ética e Disciplina. 2. Justamente em razão da relação de confiança entre advogado e cliente, por se tratar de contrato personalíssimo (intuitu personae), dispõe o Código de Ética, no tocante ao advogado, que “a renúncia ao patrocínio deve ser feita sem menção do motivo que a determinou” (art. 16). 3. Trata-se, portanto, de direito potestativo do advogado em renunciar ao mandato e, ao mesmo tempo, do cliente em revogá-lo, sendo anverso e reverso da mesma moeda, do qual não pode se opor nem mandante nem mandatário. Deveras, se é lícito ao advogado, por imperativo da norma, a qualquer momento e sem necessidade de declinar as razões, renunciar ao mandato que lhe foi conferido pela parte, respeitado o prazo de 10 dias seguintes, também é da essência do mandato a potestade do cliente de revogar o patrocínio ad nutum. 4. A cláusula penal é pacto acessório, por meio do qual as partes determinam previamente uma sanção de natureza civil – cujo escopo é garantir o cumprimento da obrigação principal -, além de estipular perdas e danos em caso de inadimplemento parcial ou total de um dever assumido, podendo ser compensatória ou moratória, a depender do cumprimento total ou parcial da obrigação. 5. No contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão do mister do advogado, só há falar em cláusula penal para as situações de mora e/ou inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução ( CC, arts. 412/413). 6. Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado. 7. Recurso especial não provido. (STJ – RESP 136171 PR 2012/ 0007404-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 11/10/2016, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/11/2016 RSDCPC vol.116 p. 64)
O TED da OAB/SP também reconhece que, diante da quebra de confiança, ainda que tácita, o advogado deve renunciar ao mandato com observância dos prazos legais e deveres éticos, como seguir acompanhando o processo por 10 dias após a renúncia (EAOAB, art. 5º, §3º).
Veja-se, nesse sentido, a seguinte ementa representativa de entendimento uníssono do TED I:
MANDATO – REVOGAÇÃO TÁCITA – HIPÓTESE DE RENÚNCIA – IMPOSIÇÃO ÉTICA DIANTE DA FALTA DE CONFIANÇA MANIFESTADA PELO CLIENTE – REPRESENTAÇÃO PELO DECÊNDIO LEGAL – FALTA DE ORIENTAÇÃO DO CLIENTE – IRRELEVÂNCIA – OBSERVÂNCIA DA CONSCIÊNCIA DO PROFISSIONAL. O patrocínio pressupõe os elementos da confiança e da consciência. A confiança deve ser recíproca, como se infere do art. 16 do CED; a consciência funda-se na orientação ética, técnica e jurídica do profissional da advocacia, ainda que exercendo a assessoria jurídica privada (CED, 4º, § único). Caracteriza quebra da confiança desautorização verbal do cliente quanto à defesa de seus interesses, que impõe declinar do patrocínio. À falta de indicação de advogado para substabelecimento, deve o constituído promover desde logo a renúncia dos mandatos, nos autos judiciais, ratificada por correspondência dirigida ao cliente (carta “AR” ou telegrama com recibo de entrega). O renunciante deve permanecer na representação do cliente pelo decêndio legal, a fim de evitar-lhe prejuízos e seguir a orientação dada para preservação de seus interesses (art. 45 do CPC e 5º, § 3º, do Estatuto da Advocacia). Não havendo qualquer orientação específica, deve o advogado guiar-se, exclusivamente, pela sua consciência profissional. Proc. E-2.898/2004 – v.u., em 18/03/04, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVÓLIO – Rev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.
3. Em resumo
A relação entre cliente e advogado deve ser ética, transparente e baseada em boa-fé. Quando a confiança é quebrada, a renúncia e a revogação são direitos legítimos e necessários para preservar a integridade da atuação profissional.
O advogado deve atuar com técnica e sinceridade; o cliente deve agir com respeito e colaboração. A confiança, ainda que subjetiva, é o pilar desse vínculo e sua ausência justifica o encerramento do mandato, com os devidos efeitos jurídicos.